Numa Outra Vida

Numa outra vida fui mulher sonhadora, queria casar aos 26, ter 3 filhos e viver de amor, café, almoço, jantar, roupa lavada, crianças banhadas, morava numa casa que não era minha
Numa outra vida fui mulher acadêmica, sonhava em ser uma grande professora e esposa de um homem gentil, ainda morava em uma casa que não me pertencia
Numa outra vida fui mulher condenada, tolida, julgada, amaldiçoada, morava na lama suja e era confundida com animais peçonhentos
Numa outra vida fui mulher suprimida, espancada, amordaçada, cuspida, morava em um presídio abandonado
Numa outra vida eu fui mulher livre, respirava e amava, rainha de um reino irreal e proprietária de um castelo de areia fina
Numa outra vida fui mulher enganada, iludida, odiada, confudida com louca, vestia uma manta tóxica que não me cabia, morava dentro de um duto residual de uma usina nuclear
Numa outra vida fui mulher perdida, morava em um labirinto, sempre perdida, em cada cômodo vivia histórias estranhas a mim que eu não queria, eu insisti no labirinto confuso e me fazia dar voltas no mesmo erro do não amor, usada, cuspida, odiada, julgada, amaldiçoada
Numa outra vida fui nada, vazia, oca, silenciosa, invisível, morava num grande espaço branco de dia e escuro de noite, plácida, calejada e cansada
Numa outra vida fui alpinista, escalava paredes frias e montanhas de gelo, envolta num único raio de luz que conseguia se  diferenciar da pálida manhã invernal e que clareava o breu noturno, morava em uma cabana de náilon leve que carregava nas costas
Reencarnei, hoje sou resiliência, esperança, retorno, cuidado, sou o amor verdadeiro que tanto busquei, sou a vida e a ação, sou o agora e como Isabel, eu trago sempre flores nos braços e ouro no coração, hoje moro em um lar que carrego no peito.
Karla Christine Andrade Charone

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